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LIS OLIVEIRA

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FOME NO PAÍS É MAIOR EM LARES COM CRIANÇAS ABAIXO DE 10 ANOS, DIZ PESQUISA

O levantamento foi realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional)
FOME NO PAÍS É MAIOR EM LARES COM CRIANÇAS ABAIXO DE 10 ANOS, DIZ PESQUISA
Revista Fórum

A segunda etapa do Vigisan (Inquérito Nacional sobre Segurança Alimentar no Contexto da Pandemia Covid-19 no Brasil), divulgada hoje, revela que a fome atormenta mais os lares em que vivem crianças com menos de dez anos.

De acordo com o levantamento, 37,8% dos domicílios onde moram essas crianças enfrentam insegurança alimentar grave ou moderada, ou seja, passam fome ou têm uma dieta insuficiente. O percentual é 7 pontos maior do que a média nacional, de 30,7%, quando levados em conta todos os domicílios.

O levantamento foi realizado pela Penssan (Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional), que envolve seis entidades parceiras. Em junho, a primeira fase da pesquisa mostrou que 33 milhões de brasileiros estão em insegurança alimentar grave, ou seja, passam fome.

"Fica claro que, quanto maior a quantidade de crianças em uma casa, maior a chance de ter insegurança alimentar, mais fome. Há uma relação direta porque a demanda das crianças é maior", afirma Rosana Salles Costa, do Instituto de Nutrição da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e pesquisadora da rede Penssan.

"Quando se tem uma criança em uma família com renda adequada, não há problema em pagar uma escola particular; ou, se for pública, consegue comprar material, atender demandas de saúde. Quando não, essas famílias têm de fazer escolhas", completa.

O nível de segurança alimentar é dividido em quatro graus:

Segurança alimentar: alcança hoje 41,3% dos brasileiros. É quando a família tem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais.

Insegurança alimentar leve: atinge 28% dos brasileiros. É quando a família tem preocupação ou incerteza quanto ao acesso aos alimentos no futuro, com qualidade inadequada resultante de estratégias que visam não comprometer a quantidade de alimentos.

Insegurança alimentar moderada: atinge 15,2% dos brasileiros. É quando há redução quantitativa de alimentos entre os adultos e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos (no caso do Brasil, feijão, arroz, uma proteína, frutas e legumes).

Insegurança alimentar grave: atinge 15,5% dos brasileiros. É quando há redução quantitativa de alimentos que chega até entre as crianças e/ou ruptura nos padrões de alimentação resultante da falta de alimentos.

A pesquisa leva em conta qualquer residência com ao menos um morador de até nove anos de idade. O levantamento foi feito em 12.745 domicílios de 577 municípios nos 26 estados e Distrito Federal, em áreas urbanas e rurais. A coleta de dados ocorreu entre novembro de 2021 e abril de 2022. Ela utiliza como parâmetro a EBIA (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar), também usada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

O maior percentual de fome em casas com crianças pode ser um dos reflexos do novo recorte do Auxílio Brasil, que criou um piso que não levou em conta o número de crianças em uma casa. Com isso, uma residência com um adulto recebe hoje o mesmo valor (R$ 600) por mês que um lar onde morem cinco crianças e a mãe, por exemplo. "O valor do Auxílio Brasil não é suficiente para tirar a família da insegurança alimentar. Elas continuam sofrendo, e isso mostra quanto a renda é muito importante", afirma Kiko Afonso, diretor da ONG Ação da Cidadania, uma das integrantes da rede Penssan.

Diferenças regionais

Entre as regiões, Norte e Nordeste são as que apresentaram piores índices. No Norte, por exemplo, 51,9% das residências onde vivem crianças passam por insegurança alimentar grave ou moderada. No Nordeste, essa média fica em 49,4%, atingindo ápice nacional no Maranhão, com média de 63,3%.

Para Kiko Afonso, todo esse contexto de fome tem relação direta com o fim de políticas sociais, como o PAA (Programa de Aquisição de Alimentos) pelo governo federal, que comprava alimentos dos produtores rurais.

"Essas políticas públicas eram a mola mestra da segurança alimentar. Hoje você tem políticas com foco no agronegócio em detrimento do pequeno produtor", diz. Ele afirma que não é contra o país ter esse foco, desde que não abandone quem produz a maior parte dos alimentos consumidos no país.

Rosana Salles Costa ressalta que hoje há, por exemplo, uma defasagem de valores repassados aos municípios para a compra da merenda escolar. O PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) só repassa atualmente R$ 0,36 por refeição para alunos do ensino fundamental, e o valor está congelado há cinco anos.

A recomposição dos valores chegou a ser aprovada na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) no Congresso, mas foi vetada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). "

A merenda é uma das políticas essenciais para minimizar os agravos da alimentação escolar. Porém, o aumento no preço dos alimentos, sem reajuste do valor repassado, atingiu em cheio aqueles locais e famílias que têm maior.

Também há dificuldades na estrutura pública que afeta diretamente a renda da família. Um exemplo é a falta de creches para as mães deixarem os filhos. "Como ela não tem vaga na creche, acaba não saindo para trabalhar; ou quando sai, paga a uma vizinha para tomar conta enquanto faz um trabalho. Essa renda ajudaria a dar acesso à alimentação adequada", diz.

Nordeste tem a maior população de famintos

Os dados da Vigisan também trazem um panorama geral da fome (não só de casas com crianças), com destaque para as regiões Norte e Nordeste. Em termos de insegurança alimentar grave e moderada, os estados de Maranhão, Amapá e Alagoas lideram percentualmente.

Em números absolutos, é na região Nordeste que está a maior população de famintos. Ao todo, na região, são 12,1 milhões de pessoas com insegurança alimentar grave. Já entre os estados, destaque para os 6,8 milhões de pessoas com fome no estado de São Paulo —o maior contingente do país — e o Rio de Janeiro, com 2,7 milhões (segundo colocado).

Sobre essas diferenças entre os estados, ela explica que as conjunturas econômica históricas afetam diretamente os dados, mas as políticas locais e a própria variação do preço de uma cesta básica dentro de uma mesma região ajudam a causar essa desigualdade.

Costa explica ainda que o estudo será passado a todos os governos estaduais para que comecem a pensar ações para amenizar o problema.

 

 

Fonte(s): Carlos Madeiro - Uol

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